Ao deixar de pagar alguma dívida, seja pública ou fiscal, o credor tem o direito de ingressar com uma ação de execução para a satisfação do débito. Dessa maneira, o exequente submete ao crivo judicial a análise do título discutido, que pode ser um contrato, uma nota promissória, um cheque ou outro, com a intenção de obrigar o executado a cumprir com a sua obrigação.
Há diversas ferramentas para exigir o pagamento da dívida, como a penhora online — que consiste basicamente em bloquear o saldo disponível na conta corrente — ou ainda o bloqueio de carros ou imóveis.
Neste artigo falaremos sobre a impenhorabilidade de bem familiar e quais são as exceções previstas na lei. Acompanhe!
O que é bem de família?
O bem de família pode ser entendido como o imóvel utilizado como residência da entidade familiar, decorrente de casamento, união estável, entidade monoparental ou entidade de outra origem, protegida por lei especial. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) prevê, na Súmula 364, a extensão do conceito para abranger também as pessoas solteiras, viúvas e separadas.
O legislador trouxe a existência de duas possibilidades de constituição do bem de família: o legal e o voluntário. No primeiro, não é exigida nenhuma formalidade para que a residência seja protegida pela impenhorabilidade, bastando comprovar que é naquele local em que as pessoas exercem o ânimo de estabelecer morada.
Já na segunda hipótese, o devedor por ato voluntário institui por meio de escritura ou testamento um imóvel para ficar protegido contra possíveis dívidas. O Código Civil, em seu artigo 1711, permite que qualquer bem seja escolhido como bem de família, mas o valor não pode ultrapassar um terço do patrimônio líquido existente no momento da afetação.
É importante salientar também que o STJ estabeleceu, na Súmula 486, a proteção em favor do único imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família.
O que são bens impenhoráveis?
A Lei 8.009 instituiu a impenhorabilidade do bem de família como instrumento de tutela do direito de moradia, e dispõe a impossibilidade da penhora nos casos de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários ou que nela residam.
Tal previsão existe, pois embora a satisfação da dívida seja prioridade para o ordenamento brasileiro, essa não pode ser realizada a ponto de ferir a dignidade do devedor a ponto de deixá-lo na miséria. Por causa desse motivo, o legislador elencou os bens impenhoráveis, que são entendidos como essenciais à subsistência de qualquer ser humano.
Portanto, a execução não pode atingir as situações elencadas no artigo 833 do Código de Processo Civil, citadas abaixo:
- os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;
- os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;
- os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor;
- os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2o;
- os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado;
- o seguro de vida;
- os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas;
- a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;
- os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social;
- a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;
- os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político, nos termos da lei;
- os créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária, vinculados à execução da obra.
Quais são as exceções da impenhorabilidade de bem familiar?
O legislador previu algumas exceções em que a impenhorabilidade de bem familiar não pode ser usada como matéria de defesa. Falamos melhor sobre as hipóteses previstas no artigo 3º da Lei 8009/90 nos itens abaixo.
Pagamento de dívida do próprio imóvel
Se o objeto da execução for as dívidas contraídas em decorrência da propriedade do imóvel, como taxas condominiais, Imposto Territorial e Predial Urbano (IPTU) ou ainda obrigações relativas ao financiamento para construção ou aquisição do imóvel, o bem não estará protegido pela impenhorabilidade.
Portanto, tenha bastante atenção em relação ao pagamento desses valores, uma vez que a impenhorabilidade de bem familiar não poderá ser usada como matéria de defesa no caso de eventual execução.
Pagamento de dívida de pensão alimentícia
Créditos decorrentes de pensão alimentícia são considerados como verbas alimentares pelo legislador, portanto são prioritárias. Nesse caso, a impenhorabilidade de bem familiar não se aplica.
A lei, porém, preserva a propriedade do cônjuge ou do companheiro que não tem responsabilidade pela dívida. Logo, se o regime de bens for o de comunhão parcial ou universal, apenas 50% do imóvel será penhorado. Na prática, essa realidade muitas vezes acaba por inviabilizar a efetivação do pagamento da dívida.
Execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar
Apesar de prevista em lei, é preciso ter cuidado com a possibilidade de penhora do bem de família dado pelo casal ou pela entidade familiar em garantia real em hipoteca.
Os tribunais têm entendido que não basta a simples indicação do imóvel como garantia no momento da contratação da hipoteca. É necessário que a dívida garantida pelo imóvel bem de família tenha beneficiado a entidade familiar.
Assim se posiciona o Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. BEM DE FAMÍLIA. PENHORABILIDADE. GARANTIA HIPOTECÁRIA. PESSOA JURÍDICA. BENEFÍCIO REVERTIDO À FAMÍLIA. REEXAME DE CONTEÚDO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA N. 7/STJ. DECISÃO MANTIDA. 1. A jurisprudência desta Corte Superior, interpretando o artigo 3º, V, da Lei n. 8.009/1990, tem se posicionado no sentido de que a impenhorabilidade do bem de família, na hipótese em que este é oferecido como garantia real hipotecária, somente fica afastada quando o ato de disponibilidade reverter em proveito da entidade familiar. 2. “Mesmo quando a garantia real foi prestada utilizando-se firma individual de pessoa jurídica, não se pode presumir que a hipoteca foi dada em benefício da família, para, assim, afastar a impenhorabilidade do bem com base no art. 3º, V, da Lei 8.009/90” (AgRg nos EDcl nos EDcl no AREsp n. 429.435/RS, Relator Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 12/8/2014, DJe 1º/9/2014). 3. No caso concreto, o Tribunal de origem consignou a ausência de prova de que a entidade familiar foi a verdadeira beneficiária do empréstimo tomado por pessoa jurídica. Para desconstituir esse fundamento, seria necessário o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, o que é vedado nesta via pela Súmula n.7 do STJ. 4. Agravo interno improvido. (AgInt no REsp 1332087/SC, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 18/04/2017, DJe 25/04/2017).
Portanto, nos parece que o credor precisará se precaver no tocante às provas de que a dívida foi contraída em benefício da família, sob pena de não poder executar o bem dado em garantia à hipoteca.
Por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens
Nesse caso, a impenhorabilidade de bem familiar não se aplica se ele foi comprado como resultado de ações criminosas, ou ainda se o proprietário foi condenado na esfera criminal pelo mesmo motivo que ensejou o processo civil.
Vamos supor que uma pessoa se envolveu em um acidente de trânsito, fato que originou um processo de indenização por danos materiais ao mesmo tempo em que foi movida uma ação de lesão corporal.
Se o sujeito for considerado culpado nos dois casos, a condenação criminal enseja a possibilidade de penhorar o bem familiar se for necessário para suprir o pagamento da dívida.
Pagamento de alugueres resultante de fiança concedida em contrato de locação
Aqueles que figuram como fiadores em contratos de locação, em caso de execução dos alugueres contra si, não podem invocar a impenhorabilidade do bem de família, tendo em vista exclusão expressa da lei.
Assim, é fundamental redobrar a cautela ao aceitar o encargo de fiador em contrato de locação, tendo em vista que se o inquilino deixar de pagar o aluguel e ocorrer uma ação de execução, os bens do fiador serão executados independentemente de ser bem familiar ou não.
A legislação brasileira é bastante densa e cheia de exceções, portanto, a melhor maneira de se resguardar em uma possível execução ou outros problemas jurídicos é sempre procurar um profissional que conheça as melhores soluções.
Se você ainda ficou com alguma dúvida sobre a impenhorabilidade de bem familiar, deixe um comentário logo abaixo!