Guedert Advogados

Fraude à Execução e a Súmula 375 do STJ

Autor(a): André Felipe Machado

No ano de 2009 foi editada pelo STJ a Súmula 375: “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”. Da sua análise podemos diferenciar dois aspectos: o primeiro relacionado com a intenção de proteger o terceiro adquirente de boa fé; e, o segundo, um retrocesso processual ao credor, que busca a satisfação do seu débito junto ao devedor. 

Em contrapartida, o art. 593 do Código de Processo Civil traz o seguinte texto: “considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens: I – quando sobre eles pender ação fundada em direito real; II – quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência; III – nos demais casos expressos em lei.” 

A Súmula 375 do STJ, portanto, é totalmente contrária ao texto legal, pois de acordo com este último basta a citação do devedor – a partir da qual terá ciência de que existe contra si ação fundada em direito real, capaz de levá-lo à insolvência – para que a venda ou doação de bens caracterize fraude à execução. 

A Súmula, por sua vez, leva a crer que o devedor pode desfazer-se de todos os seus bens desde que não tenha sido efetuado o registro de penhora sobre qualquer bem que garanta a satisfação daquela dívida, ou seja, veículos, contas bancárias e imóveis. Além disso, caberia ao credor provar a má-fé de um terceiro que supostamente teria adquirido o bem para configurar fraude à execução. Ou seja, exige muito mais do que a própria lei.

Contudo, referido entendimento vem sendo aos poucos modificado pelo próprio STJ. Em 2010 a ministra Nancy Andrigni, no julgamento RMS 27.358, inverteu o ônus da prova, o que levou o terceiro adquirente a provar a sua boa-fé. Assim, o terceiro que adquiriu o bem com qualquer restrição judicial tem consciência de que ele continuará a responder por tal ônus, salvo se provar que agiu de boa-fé e tomou todos os cuidados necessários para tal transação. Considera, ademais, como medida de prevenção, que o comprador de um bem deve resguardar-se providenciando certidões negativas de débito junto a cartórios judiciais e de registros de imóveis sobre o bem a ser adquirido – pelo menos na região onde se localiza – e em relação ao vendedor.

Caso não seja demonstrado tal cuidado presume-se que o adquirente agiu de má-fé ou no mínimo com falta de cuidado frente à importância da negociação. Assim entendendo, a Ministra afastou a aplicabilidade da Súmula 375. 

Fica claro, portanto, que a Súmula 375 foi editada com finalidade totalmente voltada à proteção do terceiro adquirente de boa-fé. Porém, foi ignorada a satisfação buscada pelos credores nas execuções, abrindo grande margem para a insatisfação de dívidas, tendo em vista a dificuldade em caracterizar a fraude mesmo após a citação do devedor, que, tendo ciência da ação, tem tempo de desfazer-se de seu patrimônio se a penhora não tiver sido registrada ou não estiver configurada má-fé por parte do terceiro adquirente. 

Enquanto isso, como única ferramenta para reaver o seu crédito, os exequentes permanecem litigando judicialmente, ainda que enfrentem um longo e custoso caminho para tanto. Espera-se, no entanto, que dentre tantos obstáculos à satisfação do crédito, o entendimento jurisprudencial a respeito da aplicabilidade da legislação processual – configuração de fraude à execução – não seja mais um, distanciando ainda mais o credor do que lhe é devido.