No dia 26 de setembro de 2011 entrou em vigor no Tribunal de Justiça de São Paulo a Resolução nº 594/2011, segundo a qual agravos de instrumento, agravos internos ou regimentais e embargos de declaração poderão ser julgados virtualmente, seguindo o critério da turma julgadora.
Na prática, o relator do recurso encaminha seu voto aos demais componentes da turma julgadora por e-mail, o segundo e terceiro desembargadores podem requisitar os autos para exame, concordando ou não com o voto do relator, igualmente via e-mail. Na hipótese de divergência, o discordante envia seu voto para o relator e outro julgador, prevalecendo o entendimento da maioria ou o voto original.
À primeira vista, tal inovação pareceria positiva, uma vez que a demora no julgamento dos recursos em nossos Tribunais é constante diante da crescente quantidade de processos, o que leva a um verdadeiro descrédito por significativa parte dos cidadãos brasileiros em relação ao Poder Judiciário.
Contudo, a Resolução nº 594/2011 tratou de julgar virtualmente também as apelações, mandados de segurança e habeas corpus originários, ou seja, situações em que regularmente o jurisdicionado/cidadão, por meio de seu advogado, tem – ou deveria ter – a oportunidade de fazer-se presente na tribuna pedindo preferência no julgamento e realizando sustentação oral, última chance de manter ou reformar o entendimento já apresentado em seu processo pelo juízo de primeiro grau.
Se por um lado é lamentavelmente sabido que eventuais divergências entre desembargadores no julgamento de um recurso são resolvidas antes da sessão de julgamento, como afirmou o Des. José Renato Natalini* em artigo publicado na Folha de São Paulo no dia 22/10/2011; por outro, é notório que a presença do advogado, que pede preferência e sustenta oralmente, é respeitada e não raras vezes, culmina em pedido de vista por um dos componentes da câmara julgadora.
Todavia, a malfadada resolução, totalmente contrária à Constituição Federal, segundo a qual “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos” (art. 93, IX), estabelece que será concedido o prazo de dez dias para eventual oposição à forma de julgamento ou manifestação da intenção de realizar sustentação oral, deixando evidente que a alteração na forma tradicional e pública de julgamento suprime uma das grandes oportunidades de defesa do jurisdicionado/cidadão.
É preciso equilibrar, portanto, o uso da tecnologia no dia a dia forense, pois se por um lado abre as portas do Judiciário ao permitir que um cidadão seja representado por advogado da sua cidade em outros estados brasileiros por meio do peticionamento eletrônico; por outro, fecha as mesmas portas ao impedir que o seu procurador o defenda com peso e esmero nos Tribunais, e ainda, que a própria parte testemunhe o julgamento de seus interesses após anos de espera.
Como sabiamente expôs Ophir Cavalcante**, Presidente Nacional da OAB, no mesmo espaço jornalístico acima citado, tal inovação nenhum benefício agrega, trazendo apenas mais dúvidas e insegurança sobre aqueles que deveriam deixar transparente as suas atividades, seja por aumentar a desconfiança nos julgamentos via e-mail, seja por não permitir a mesma defesa do cidadão que está sendo julgado.
Na realidade, o problema da Justiça brasileira não está na quantidade de recursos, mas efetivamente nos seus hábitos e estrutura, os quais merecem especial atenção, discussão e principalmente reestruturação, a fim de justificar o alto custo do Poder Judiciário.
* NATALINI, José Renato. Deixem a justiça evoluir. Folha de São Paulo, Tendências/debates, Opinião A3, 22.10.2011.
** CAVALCANTE, Ophir. O problema é estrutural, não virtual. Folha de São Paulo, Tendências/debates, Opinião A3, 22.10.2011.